O Dia Internacional dos Direitos Humanos é comemorado anualmente em 10 de dezembro, data que marca a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948.
Em alusão à data, o CRESS Entrevista de dezembro tem a participação da assistente social Samya Martins, mulher negra, feminista e trabalhadora do SUS. Doutora em Serviço Social, também integra o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do RN, representando o CRESS-RN enquanto profissional de base.
Na entrevista, Samya conversa sobre a relação entre o projeto ético-político do Serviço Social e a defesa dos direitos humanos, a importância dos espaços de controle social e também sobre a sua tese, “Política de Morte: a ‘Guerra às Drogas’ e os Fundamentos Ideológicos do Genocídio Negro no Brasil”.
Confira na íntegra:
CR: O que significa, para o Serviço Social, defender os direitos humanos?

SM: A defesa dos direitos humanos é a defesa da vida em sua diversidade e para o Serviço Social não se trata apenas de uma prerrogativa prevista no nosso Código de Ética profissional, mas de um direcionamento basilar do nosso exercício profissional na perspectiva crítica. A defesa dos direitos humanos deve se dar para além da garantia de direitos, mas também numa perspectiva emancipatória.
Por isso, defender os direitos humanos significa ter coerência com as prerrogativas fundamentais que constituem o nosso projeto de profissão, assim como ter uma atuação profissional consoante com a defesa dos direitos das classes trabalhadoras, as principais vítimas de violação dos direitos humanos, sobretudo as pessoas negras e indígenas, mulheres, pessoas LGBTQIAPN+, com deficiência e todas aquelas que não estão condizentes com o padrão heterocispatriarcal.
CR: De que forma a sua pesquisa contribui para o debate relacionado à temática Serviço Social e direitos humanos?
SM: A pesquisa de doutorado que resultou na tese intitulada “Política de Morte: a ‘Guerra às Drogas’ e os Fundamentos Ideológicos do Genocídio Negro no Brasil” foi fundamental para trazer elementos para o debate antirracista e antiproibicionista, além de denunciar a necropolítica no Brasil e na realidade potiguar, na perspectiva da liberdade e defesa intransigente dos direitos humanos, prerrogativas fundamentais do nosso projeto profissional.
Dentre os resultados, identificamos que os efeitos colaterais do uso de substâncias psicoativas desde o período colonial são determinados com base em valores moralistas, ultraconservadores e hegemonicamente racistas, sem qualquer fundamentação científica. E que por trás da chamada “guerra às drogas” existe essa “política de morte” que se utiliza do discurso da proibição para justificar o terror que ocorre nas periferias brasileiras, como a violência estatal, a criminalização, o encarceramento em massa e as precárias condições de sobrevivência no cárcere, além da morte das pessoas negras. Esta guerra está longe de ser contra as “drogas”, na verdade, ela é contra as pessoas negras e pobres das periferias do Brasil.

Na pesquisa, trouxemos o que denominei de “retrato potiguar do genocídio negro”, onde realizamos uma análise, que não se esgotou, sobre o sistema prisional e a realidade das consequências da “guerra às drogas” no Rio Grande do Norte, mas que trouxe elementos para pensarmos a nossa realidade em “um estado latente de insegurança pública”.
Isso dará subsídios para a nossa atuação profissional nos diversos espaços, pois vimos que a população negra potiguar sobrevive em um estado hegemonicamente governado pelas oligarquias do Nordeste. Além de ser a mesma que padece nas entranhas do racismo estrutural, essa população é a que atendemos cotidianamente nos serviços socioassistenciais, espaços de atuação do Serviço Social.
CR: Como a atual conjuntura afeta a vida da juventude preta das periferias?
SM: Não dá para falar da atual conjuntura sem mencionar o Golpe de 2016 e o bolsonarismo no Brasil, que, mesmo após a derrota nas eleições de 2022, é uma ideia presente que traz em sua essência o pensamento ultraconservador e reacionário. Além da série de retrocessos inaugurados no governo Bolsonaro (2019-2022), vemos os rebatimentos no cotidiano da vida social da população brasileira: precárias condições de vida das “maiorias”, as classes trabalhadoras; interrupção de conquistas históricas fruto da luta de movimentos sociais do país; retomada de práticas nefastas à população negra e indígena, pessoas LGBTQIAPN+, mulheres, pessoas com deficiência e população pobre que ocupa as favelas e periferias do país.
Por ser funcional à lógica dominante, o bolsonarismo tem o apoio de segmentos das classes trabalhadoras, da burguesia e também dos representantes políticos de direita, entre eles, aqueles que compõem a bancada armamentista, ruralista e evangélica – bancada da bala, do boi e da bíblia (BBB). Isso também nos informa que o ascenso do fascismo no país tem o apoio do grande capital e obtém interesses de classes em prol da manutenção das relações sociais capitalistas.
É importante destacar o apoio desses segmentos ao projeto ultraconservador e ultraneoliberal, pois esta influência vai afetar diretamente o cenário de barbárie e genocídio da população negra e indígena no país, inclusive a juventude negra, principal vítima de mortes violentas intencionais no país. Este, infelizmente, é um cenário fértil à criminalização da pobreza e à remediação com “mais Estado policial-penitenciário e menos Estado social”, como o massacre de Alcaçuz em 2017 e a chacina que ocorreu no mês passado na cidade do Rio de Janeiro, expondo a política de genocídio e de negação dos direitos humanos como prática política e legitimada.
CR: De que maneira os espaços de controle social e os movimentos sociais contribuem na luta coletiva pelo fortalecimento dos direitos humanos?

SM: Os espaços de controle social e os movimentos sociais são fundamentais para o fortalecimento dos direitos humanos, seja por meio da denúncia das violações, seja no enfrentamento cotidiano travado nas trincheiras das lutas sociais. Toda conquista alcançada até aqui é fruto da resistência, da nossa luta e de nossos ancestrais, que, por meio da organização coletiva, abriram caminhos para a afirmação de direitos historicamente negados à classe trabalhadora.
Diante disso, não posso deixar de mencionar a importância de ocuparmos os espaços da coletividade em defesa dos direitos humanos. Atualmente, integro o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura como profissional de base do CRESS-RN e tenho feito a defesa de que ocupar os espaços da coletividade é uma estratégia fundamental de resistência e defesa de direitos, além de reafirmar o nosso compromisso ético-político com a defesa intransigente dos direitos humanos.
Assim, ao tecermos resistência nos espaços de controle social e nos movimentos sociais, junto aos diversos segmentos da classe trabalhadora, da qual somos parte, fortalecemos a luta coletiva por uma sociedade mais justa, democrática e livre de violações.
Aqui quem fala é Samya Martins, mais uma sobrevivente.