CRESS Entrevista Fernanda Marques sobre o Dia da Visibilidade Lésbica

Neste Dia da Visibilidade Lésbica, o CRESS Entrevista a assistente social feminista Fernanda Marques sobre a data, os desafios e os avanços na trajetória histórica desta luta.

Fernanda é Doutora em Serviço Social e professora da Faculdade de Serviço Social da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). É, ainda, pesquisadora e membro do Núcleo de Estudos sobre a Mulher Simone de Beauvoir (NEM/UERN).

Confira a entrevista na íntegra:

CR: O Dia da Visibilidade Lésbica é de luta por direitos e contra o preconceito e a violência. Nesta atual conjuntura, quais os principais desafios que você citaria para garantir uma outra realidade possível?

FM: Na conjuntura atual, vivemos um momento de extremo avanço do conservadorismo, da chamada pauta moral e de costumes, que incidem sobre os nossos direitos, em especial os direitos das pessoas LGBTs e das lésbicas, falando especialmente na data. Podemos pontuar alguns desafios. Primeiro, a violência e o lesbocídio. Ainda existem altos índices de violência física, psicológica, simbólica contra nós, mulheres lésbicas. Depois, a invisibilidade social e política. Nossa pauta lésbica é, muitas vezes, apagada dentro do próprio movimento LGBTQIA+, porque o sexismo e o patriarcado também incidem sobre os movimentos LGBTQIA+. Então isso rebate sobre nós, mulheres e mulheres lésbicas, nas pautas dos movimentos e nas nossas demandas e lutas.

Há muito preconceito também institucional, dificuldade de acesso a direitos básicos na Saúde, Trabalho, Educação, Segurança Pública, permeados pela lesbofobia. A gente tem dificuldade de acesso à Saúde Reprodutiva, à Saúde Sexual. O conservadorismo e o fundamentalismo religiosos têm um discurso que reforçam esses padrões heteronormativos e acabam com direitos já conquistados. Nós também vivenciamos uma falta de representatividade, a ausência de mulheres lésbicas nos espaços de poder, na mídia, na cultura, o que dificulta a construção de referências positivas sobre lésbicas.

Então, garantir uma outra realidade possível frente a esse contexto de profundo conservadorismo e ataque aos direitos sociais – em especial das mulheres e, particularizando, das mulheres lésbicas – passa por políticas públicas inclusivas, uma educação em direitos humanos, o enfrentamento às violências patriarcais de gênero e sexuais e uma maior visibilidade política e cultural das mulheres lésbicas. É uma conjuntura de extremo retrocesso nos direitos das mulheres, e em particular das mulheres lésbicas, de ataques aos direitos duramente conquistados, direitos humanos, sociais e políticos.

CR: De que maneira o Serviço Social tem lutado e também atuado em defesa das mulheres lésbicas e da diversidade?

FM: O Serviço Social, a partir do seu projeto ético-político, forjado no final dos anos 1970, com o movimento de reconceituação e o fortalecimento da perspectiva crítica dos referenciais teóricos marxistas e marxianos, assume um compromisso com a defesa dos direitos humanos, da diversidade, contra todas as formas de opressão, discriminação e violências contra mulheres, negras, negros, homoafetivos, a pauta dos direitos humanos e da diversidade. Isso se expressa em várias dimensões.

No nosso trabalho profissional, o acolhimento e escuta qualificada às mulheres lésbicas, nos serviços de Saúde, Assistência Social, Educação, Justiça, Previdência, enfim, em todas as políticas sociais que permeiam as proteções sociais aos nossos direitos. Na produção do conhecimento, há um espraiamento das pesquisas e debates que problematizam a lesbofobia, as relações patriarcais de gênero, sexualidade, sempre articulando esse nó imbricado: raça, classe e relações patriarcais de gênero e sexo.

O Serviço Social também incide politicamente, ocupando espaços nos conselhos de direitos, nos movimentos sociais, espaços de formulação, implementação e execução de políticas públicas. Na nossa formação profissional, temos pautado, sobretudo no GTP da ABEPSS “Serviço Social, Feminismos, Relações Étnico-Raciais, de Gênero, Sexualidades e Classe Social”, esse debate, tanto em nível de graduação, como em nível de pós-graduação. Discussões sobre relações patriarcais de gênero, sexualidade, diversidade, nos currículos e práticas acadêmicas de extensão, pesquisas.

Assim, o Serviço Social atua tanto no âmbito da formação e do trabalho, no enfrentamento direto às expressões da questão social, como também na promoção de uma cultura de respeito à diversidade, de contra todo tipo de discriminação, opressão à população LGBTQIA+, na garantia de uma formação antirracista, anticapacitista, de crítica à sociedade de classes burguesa e anti-patriarcal.

Tem sido muito importante a atuação do Conjunto CFESS-CRESS, ABEPSS e ENESSO, entidades representativas da categoria, nessa luta em defesa dos direitos humanos, em defesa das mulheres lésbicas, da diversidade, do combate às diversas violências, discriminações e opressões. Assim, o Serviço Social tem lutado coletivamente, mediante campanhas nas redes sociais, nos nossos eventos, espraiamento da produção acadêmica, mesas, lives da ABEPSS, campanhas do Conjunto CFESS-CRESS, os CRESS, rodas de conversas, eventos que buscam discutir, pautar essa temática: o Dia da Visibilidade Lésbica, o Dia Internacional da Mulher. A pauta contra as violências, discriminações e opressões, a pauta antirracista, a pauta anticapacitista, a pauta anti-heteropatriarcal têm sido um objeto central, predominantes na defesa dos direitos humanos.

CR: Como os movimentos sociais são aliados desta luta?

FM: Os movimentos sociais são fundamentais, os movimentos LGBTQIA+, os movimentos feministas em sua diversidade, porque eles dão visibilidade e voz às pautas e às demandas lésbicas e LGBTs, sobretudo às lésbicas, que, muitas vezes, são invisibilizadas. Organizam a resistência coletiva para nós enfrentarmos e lutarmos pela ampliação de direitos para a população. Para nós, lésbicas, essa organização tem que ser coletiva, criando redes de apoio e solidariedade. Também pautando, junto ao Estado, a ampliação de políticas públicas de respeito à diversidade sexual, humana, antiLGBTfóbica, antirracista, anticlassista, anticapacitista. Eles pressionam o Estado por políticas públicas, inclusive de combate à violência, discriminação e opressão.

Produzem também um resgate dessa memória e identidade, mediante o resgate da história de mulheres lésbicas, pioneiras, nossas ancestrais, fortalecendo a luta coletiva, a representatividade e a visibilidade coletiva desses sujeitos. Criam também, como aliados dessa luta, espaços de sociabilidade e afeto, importantes para enfrentar o isolamento e a violência provocados pela lesbofobia nessa sociedade heteropatriarcal. O movimento feminista e o movimento LGBT, em especial, como também os movimentos de direitos humanos, atuam de forma articulada, sendo aliados centrais na luta pela democracia, igualdade, liberdade sexual e diversidade sexual.

CR: Você acredita que as novas gerações estão mais livres para expressar seus afetos?

FM: Há avanços importantes, mas há também inúmeros desafios. As novas gerações devem ter um maior acesso às informações, à perspectiva de um movimento social coletivo, que questiona essa ordem heteropatriarcal, classista, racista, capacitista vigente. Acho que as redes sociais podem ser um espaço de visibilidade, mas não só as redes sociais. A luta do chão, a organização de base desses movimentos, essas representações na mídia, no entretenimento, levam a essa visibilidade, levam ao debate. Mas os movimentos têm se reduzido aos movimentos de mídias, e isso, ao me ver, causa uma problemática, porque muitas vezes você não vai para a luta nas ruas. Está faltando a gente dar essa visibilidade maior nas ruas. Muitos jovens, hoje, têm referências positivas sobre lésbicas, comunidade LGBTQIA+ também no Parlamento, onde a gente tem falas super potentes na Câmara Federal, como Erika Hilton, nas Câmaras Municipais, nas Assembleias Legislativas, mas essas liberdades são sempre colocadas em cheque.

Eu acho que as gerações, hoje, com relação à minha, que vivi a juventude nos anos 1980, têm uma discussão da diversidade sexual, da diversidade humana, do poder se assumir, primeiramente para si mesmo e socialmente. Têm tido um grande avanço, sobretudo nos grandes centros urbanos, onde poderia haver uma maior abertura, mas o desafio também é interiorizar essas lutas, essas visibilidades em contextos bem mais conservadores e onde a repressão, a violência permanecem fortes. A gente vive um momento de muita violência contra os LGBTQIA+. O Brasil é o primeiro país do mundo que mais mata LGBTs, é o quinto país do mundo que mais pratica feminicídios e violência contra as mulheres. E em particular as mulheres lésbicas têm sido vítimas de muitas violências, discriminações, simbólicas, psicológicas, físicas, estupros corretivos.

Eu acredito que as novas gerações estão podendo se expressar de forma mais livre, mas sempre sujeitas a muita violência, por conta do nosso conservadorismo, por conta da LGBTfobia tão vigente na nossa sociedade. A violência lesbofóbica e a rejeição familiar ainda são realidades marcantes na vida de nossas jovens, seja da periferia, das cidades, das comunidades quilombolas, negras, trans, lésbicas cis. A liberdade de expressão afetiva varia muito, de acordo com a classe social, a raça, o território, religião, o que mostra que estas interseccionalidades precisam ser consideradas. Essa imbricação classe, raça, território, religião tem que ser considerada. A gente não pode pensar uma sociedade livre de preconceitos e discriminações pensando uma sociedade estruturalmente racista, classista, LGBTfóbica. A gente tem que pensar essas relações estruturadas e conectadas.

As novas gerações estão, ao meu ver, mais fortalecidas, elas dão a cara, elas podem se expressar mais, mas ainda enfrenta muitas barreiras estruturais para viverem plenamente seus afetos, com liberdade, com segurança, autonomia, onde a gente possa viver numa sociedade livre de violência, onde a gente possa se expressar, onde o amor e os afetos possam ser livres, independentemente das escolhas que a gente possa fazer, da nossa orientação sexual.

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