Neste Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha (25/07), o CRESS Entrevista Ivaneide Paulino sobre o Julho das Pretas.
Ivaneide Paulina é advogada, mestra em Direito Constitucional, militante do movimento negro há mais de 25 anos, pela Kilombo-Organização Negra do Rio Grande do Norte, e atualmente coordena a mobilização da II Marcha Nacional de Mulheres Negras, pelo Comitê Impulsor Estadual de Mulheres Negras Potiguares.
“As políticas públicas e sociais ainda são pensadas de uma forma universalista e, consequentemente, não contemplam as especificidades relacionadas à realidade das mulheres negras”, afirma.
Confira a entrevista na íntegra:
CR: Qual a importância do Julho das Pretas para a luta das mulheres negras?
IP: O 25 de julho foi definido como o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana, Caribenha e de Tereza de Benguela no 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas-caribenhas, que aconteceu em 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana. O nome Julho das Pretas foi criado em 2013 pela Rede de Mulheres Negras e o Instituto Odara – organização de mulheres, em alusão ao 25 de julho. Então, a expressão Julho das Pretas é utilizada pelas organizações negras e de mulheres negras no mês de julho para a construção das atividades que trazem à sociedade a pauta de reivindicações das mulheres negras, que historicamente foi invisibilizada e não é contemplada na pauta do feminismo universalista. A importância do Julho das Pretas está exatamente em evidenciar a luta contra o racismo, o sexismo, expondo a desigualdade de gênero, que, nesse debate interseccional, aponta a mulher negra num lugar de extrema vulnerabilidade social. Isto porque as estatísticas mostram que as mulheres negras estão entre as mais afetadas pela pobreza, violência, subemprego e exclusão do acesso à saúde, educação e espaços de decisão. O debate trazido por essas organizações denuncia essas realidades e trabalha no sentido de construir as estratégias para que possamos reivindicar nossos direitos, especialmente por meio da implementação das políticas públicas específicas. Esse ano, o Julho das Pretas vem recheado pelo processo de organização das mulheres negras que participarão da II Marcha Nacional de Mulheres Negras, que será em Brasília, no dia 25 de novembro. E, nesse contexto, o Comitê Impulsor Estadual de Mulheres Negras Potiguares, criado em 21 de março de 2024, tem reunido várias mulheres negras de organizações negras, além de várias comunidades quilombolas. No Rio Grande do Norte, outros comitês também vêm se organizando.
CR: Que desafios você aponta para a efetivação das políticas sociais em defesa da vida das mulheres negras?
IP: Sou advogada de formação e atuo como militante no movimento negro há pelo menos 25 anos. No que se refere aos desafios para a efetivação das políticas sociais em defesa da vida das mulheres negras, vejo como principal entrave, ainda, os racismos estrutural e institucional que imperam na nossa sociedade. Veja, por exemplo, que, apesar das muitas políticas públicas já implementadas para o enfrentamento à violência doméstica, as mulheres são as que mais sofrem esse tipo de violência. Isto porque as políticas públicas e sociais ainda são pensadas de uma forma universalista e, consequentemente, não contemplam as especificidades relacionadas à realidade das mulheres negras. Outras situações, como a violência obstétrica, o acesso à saúde e à educação, o subemprego, a diferença de renda e os homicídios (que muitas vezes acontecem pela mão do Estado), ainda são questões que precisam ser pensadas num olhar específico para o tipo de realidade que nós mulheres estamos submetidas, em suas mais variadas diversidades, tais como: mulheres negras LBT’s, periféricas, quilombolas, além de outras.
CR: Como você avalia a atuação dos movimentos sociais de mulheres negras, hoje, no Rio Grande do Norte? Tivemos avanços importantes?
IP: Sim, tivemos avanços importantes. Por exemplo, eu comecei minha atuação como militante negra na Kilombo-Organização Negra do Rio Grande do Norte. Apesar de ser uma organização mista, o debate sobre mulheres negras era muito presente e levávamos essa pauta aos outros espaços onde atuávamos, como sindicatos, pastorais etc. Em decorrência dessa base de atuação, nos inserimos na luta do Nordeste e nos vinculamos à Rede de Mulheres do Nordeste. De lá para cá, várias organizações de mulheres negras foram criadas, a exemplo de Negras de Periferia, As Carolinas, Ajagum Obirin, Quilombo Flor de Milho, além de outras quilombolas como As Filomenas e as Amélias, das comunidades de Portalegre. O GAMI também tem contribuído de forma imprescindível nessa luta. E essa expansão, com a potencialidade que todas essas mulheres trazem na força da ancestralidade, tem sido fundamental para os avanços importantes que tivemos no Estado do Rio Grande do norte para nossas lutas em defesa de nossos direitos.
CR: Como a sua trajetória se encontrou com o movimento de mulheres negras?
IP: Então, foi exatamente nesse processo de lutar pelo combate ao racismo, que me reconheci como mulher negra. Na atuação do movimento de mulheres como um todo, percebi que uma parte significativa de minhas aspirações a uma cidadania completa não encontrava resposta dentro da pauta do feminismo. Nesse sentido, a minha atuação no movimento, no encontro com outras companheiras, trouxe um reconhecimento do lugar de onde eu falava. Daí que nesse processo de construção com as demais companheiras me inseri nesse contexto local, regional e nacional, uma vez que nossa realidade é atravessada por um racismo mais profundo, que nos oferece os lugares mais invisibilizados da sociedade. Percebi que só o caminho da coletividade nos proporciona uma organização capaz de sairmos desses lugares de invisibilidade que o colonialismo nos colocou.